Friday, March 30, 2007

Grades


"La ronda dei carcerati" Van Gogh

Encostados ás grades da prisão,
Olham o céu os pálidos captivos.
Já com raios oblíquos, fugitivos,
Despede o sol um último clarão.
Entre sombras, no longe, vagamente,
Morrem as vozes na extensão saudosa.
Cai do espaço, pesada, silenciosa,
A tristeza das cousas, lentamente.

E os captivos suspiram. Bandos de aves
Passam velozes, passam apressados,
Como absortos em íntimos cuidados,
Como absortos em pensamentos graves.

E dizem os captivos: Na amplidão
Jamais se extingue a eterna claridade...
A ave tem o vôo e a liberdade...
O homem tem os muros da prisão!

Aonde ides? qual é vossa jornada?
Á luz? á aurora? á imensidade? aonde?
-Porém o bando passa e mal responde:
Á noite, á escuridão, ao abismo, ao nada!

-E os captivos suspiram. Surge o vento,
Surge e perpassa esquivo e inquieto,
Como quem traz algum pesar secreto,
Como quem sofre e cala algum tormento.

E dizem os captivos: Que tristezas,
Que segredos antigos, que desditas,
Caminheiro de estradas infinitas,
Te levam a gemer pelas devezas?

Tu que procuras? que visão sagrada
Te acena da solidão onde se esconde?
-Porém o vento passa e só responde:
A noite, a escuridão, o abismo, o nada!

-E os captivos suspiram novamente.
Como antigos pesares mal extinctos,
Como vagos desejos indistinctos,
Surgem do escuro os astros, lentamente.

E fitam-se, em silêncio indecifrável,
Contemplam-se de longe, misteriosos,
Como quem tem segredos dolorosos,
Como quem ama e vive inconsolável...

E dizem os captivos: Que problemas
Eternos, primitivos vos atraem?
Que luz fitais no centro d'onde saem
A fluxo, em jorro, as intuições supremas?

Por que esperais? n'essa amplidão sagrada
Que soluções esplêndidas se escondem?
-Porém os astros tristes só respondem:
A noite, a escuridão, o abismo, o nada!
-Assim a noite passa. Rumorosos
Susurram os pinhais meditativos,
Encostados ás grades, os captivos
Olham o céu e choram silenciosos.
Antero de Quental

Thursday, March 22, 2007

Dia Mundial da Poesia

Poeta, sim, poeta...
É o meu nome.
Um nome de baptismo
Sem padrinhos...
O nome do meu próprio nascimento...
O nome que ouvi sempre nos caminhos
Por onde me levava o sofrimento...


Poeta, sem mais nada.
Sem nenhum apelido.
Um nome temerário,
Que enfrenta, solitário,
A solidão.
Uma estranha mistura
De praga e de gemido à mesma altura.
O eco de uma surda vibração.


Poeta, como santo, ou assassino, ou rei.
Condição,
Profissão,
Identidade,
Numa palavra só, velha e sagrada,
Pela mão do destino, sem piedade,
Na minha própria carne tatuada.


Ficha 1962

Para não esquecer o centenário de Adolfo Correia da Rocha (1907-1995), médico, poeta e acima de tudo um genuíno transmontano. (aproveitando o dia mundial da poesia)
"Toda a sua obra, embora multifacetada, é a expressão de um indivíduo vibrante e enternecido pelas criaturas, entranhadamente ligado à sua terra natal. Decide optar pelo pseudónimo de Torga. Não escolhe o nome por acaso. Torga, ou urze, planta bravia, humilde e espontânea e com o seu habitat no chão agreste por todo o Portugal, mas particularmente nas serranias do norte, é o correspondente no reino vegetal dessa força que será o poeta e homem."

Monday, March 19, 2007

Aspiração


"Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d' ouro, com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais!"